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Entre as utopias do espaço público

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Em 2018, no âmbito do Projecto “Cultura popular, activismo e mudanças sociais em Moçambique” tive a oportunidade de conhecer o Movimento “Maputo Street Art”, numa altura em que organizamos uma série de seminários na Universidade Eduardo Mondlane, junto de académicos e jovens artistas urbanos. Um dos artistas que fez uma apresentação magnífica foi o Ivan, que se encontra aqui neste painel comigo. Este projecto culminou com a publicação e exibição de um documentário intitulado “Gerações em lutas por utopias” actualmente, disponível online.

Uma das questões pertinentes que eu levantava na altura, era de como jovens artistas em ateliers periféricos, se reinventam em contextos de crise? Contextos de crise porque enquanto artistas, eles vivem em permanentes crises, quer políticas, quer sócias e econômicas. Uma das respostas que posso aqui avançar seria que: Enquanto as galerias na selva de cimento são um espaço fechado, limitado e algumas vezes selectivos, em termos de público e conceito do que pode ser arte ou não, o espaço público em si, tornou-se um lugar de democratização artística, destes jovens. Eles encontram no espaço público, neste caso a rua, um lugar de refúgio, de engajamento e promoção de diálogos, com indivíduos que por ali transitam, e que de forma consciente ou não, têm a possibilidade de ver suas vidas projectadas em murais ou muros.

Nesta senda, entendo este livro, como sendo um campo de possibilidades do resgate da memória pública e/ou popular, mas também um campo de protesto social, quando estes artistas resgatam figuras da nossa história como (políticos, poetas, músicos entre outros), para reflectir o que eles chamam de “revolução cultural” necessária.

E hoje, estes artistas funcionam como fotógrafos. Fotógrafos esses, que pegam latas de tinta e projectam lutas utópicas em suas periferias. Utopias que são fruto do espaço público em que residem, porque pela configuração dos lugares onde residem, o espaço de sociabilidade é a rua.

A rua virou um quintal onde podem falar das desigualdades sócias, informalidades urbanas, os desafios e perspetivas da arte urbana, sua dimensão performativa como este livro “Street Art” retrata, não deixando de fora a influência da cultura hip-hop na arte urbana se voltarmos ao tempo das “gangs”.

Somente para lembrar das pichações que muitos jovens de agrupamentos como Ronil Mapandza, Gotxa, entre outros, faziam na cidade como forma de afirmação de suas identidades, mas também de demarcação de espaços/ territórios em que se moviam muitos jovens na década de 90, em Maputo. Então, sugiro que pensemos o “Maputo Street Art” como um fenómeno global em termos discursivos e práticos.

No livro tem uma questão interessante: Uma espécie de mapa de onde todos os murais se encontram.  Se eu perguntar se tem o mapa de todos os murais e painéis de Malangatana, poderíamos levantar um outro grande debate sobre trajectórias, memória pública, património cultural, modelos de restauração e arquivos, possivelmente.

Mas, por hoje, o mais importante aqui a reter é:

Foram os próprios artistas, em vários momentos, a contar suas trajetórias, quer individuais ou coletivas, numa combinação entre fotografia e texto.  E se me perguntassem se a arte é política, a par do evento que organizamos na Universidade Eduardo Mondlane em Novembro, juntando académicos e artistas, para pensarmos as diferentes formas e espaços para o activismo, eu responderia hoje, leiam o livro e descubram.

Apenas vos peço, não deixem os tantos “street art” como Beira, Tofo Street arte, a par do “Maputo Street art “, calarem-se. Não matem o artista. Não matem o “street art”

Obrigado!

Tirso Sitoe, Director Executivo e Pesquisador da Bloco 4 Foundation